Neste ano que se finda (2018), para dar início a um novo capítulo de nossa História republicana, este articulista teve a oportunidade de escrever seu primeiro editorial para o Movimento Parlamentarista Brasileiro[i], intitulado " O parlamentarismo e a sedução totalitária ".
Na ocasião, muito antes do início da corrida eleitoral - e da vergonha alheia que esta causou, em que propostas concretas cederam lugar à ataques ofensivos entre candidatos, o articulista advertia sobre os perigos do discurso totalitário sobre a sociedade - e o que vimos é que pouco mudou desde então!
O autor assim se manifesta, com grande pesar e consciente de sua responsabilidade como membro da comunidade jurídica pátria e ativista político em defesa do sistema parlamentarista de governo, não para alarmar o leitor - mas para instá-lo à reflexão sobre o futuro de nossa democracia.
O leitor, seja de direita ou de esquerda (republicano ou monarquista), parlamentarista ou presidencialista, possivelmente deve estar insatisfeito com os rumos que nossa pátria vem tomando nos últimos anos - e não sem razão!
Há um sentimento generalizado de completo vazio representativo, como se os políticos eleitos - em todas as esferas do poder público - não representassem seus eleitores, mas interesses próprios ao arrepio da vontade popular.
Esse sentimento de abandono institucional, ou pior: de que os líderes do poder nacional têm agido em causa própria e não a favor da sociedade - como o recente episódio de absoluta alienação moral e falta de consideração com o povo, ao se articularem para aumentarem o teto constitucional em mais de 16% (sem necessidade, pois já ganham mais que seus pares europeus[ii], diga-se de passagem), enquanto cerca de 55 milhões de pessoas têm que sobreviver com menos de R$ 406/mês[iii] - faz com que a sociedade perca sua confiança nas instituições democráticas e as esperanças numa solução institucional para os problemas de nossa nação.
E quando o povo não se vê mais amparado pelo poder público, passa a considerar moralmente aceitável fazer justiça com as próprias mãos e justificável descumprir as normas legais - rompendo com o pacto social[iv].
Esse episódio, dentre tantos outros de conhecimento geral da sociedade, denotam que estamos caminhando para uma encruzilhada em nossa democracia - e que em breve seremos obrigados, pela força dos eventos, a tomar uma decisão crítica enquanto povo: que modelo de Nação queremos legar aos nossos filhos?
Por conta de décadas (quiçá séculos) de omissão estatal e vazio institucional, estamos vendo a necessidade inadiável de se realizar várias reformas estruturais simultâneas em nosso Estado[v] - uma tarefa simplesmente hercúlea!
Com a cristalização do corporativismo institucional (onde os titulares passam a agir em defesa própria), o desapreço coletivo pela democracia e a necessidade premente de profundas reformas estruturais (tributária, previdenciária, política...) - vemos que o Brasil necessita, de fato, de uma revolução institucional.
Não se trata aqui de pegar em armas para defender uma ideologia[vi] ou simplesmente tomar o poder (como criminosos condenados já declararam abertamente na imprensa[vii]), mas de promover uma mudança estrutural profunda nos alicerces de nossa democracia e das instituições estatais - mudanças que dificilmente serão implementadas pelos atuais ocupantes do poder.
No artigo "Reforma Política - muito além das emendas" [viii], este articulista defendeu a convocação de uma nova assembleia nacional constituinte, não para simplesmente modificar o atual texto constitucional - para isso temos nosso Poder Legislativo, mas para elaborar uma nova Lei Fundamental para nosso País - em virtude da vasta quantidade de modificações necessárias para amoldar o texto à nossa realidade político-social.
Entretanto, cabe aqui debater: a quem caberia a iniciativa de tal feito?
Se tomarmos o exemplo de nossa vizinha Venezuela, vemos que os líderes no poder se valeram de tal expediente para consolidar seu controle estatal - logo, um claro golpe de estado, ou autogolpe.
Por isso, para responder a esta questão há um interessante vídeo no Youtube onde o apresentador procura distinguir a diferença fundamental entre revolução e golpe de estado[ix].
Em síntese, quando a tomada do poder é realizada por elementos do próprio Estado (movimento interna corporis - de dentro para fora), trata-se de um golpe de Estado; já quando a mudança é realizada por elementos que não faziam parte do sistema (movimento externa corporis - de fora para dentro), é uma revolução - aqui, sem fazer qualquer juízo de valor se as ações e consequências são positivas ou negativas!
Tomando por base tais conceitos, qualquer "intervenção constitucional" das Forças Armadas nas instituições nacionais nada mais é que um golpe de estado[x] - não importa se com apoio popular ou com resultados positivos; ainda assim é uma subversão da ordem constitucional por agentes que integram o Estado.
Assim, o articulista reafirma sua constatação de que o Brasil não necessita de meras reformas episódicas (elas já são feitas de tempos em tempos, sempre incompletas e longe de atender os anseios da sociedade), mas de uma revolução institucional do Estado brasileiro.
Novamente, o articulista não está pregando a luta armada contra as instituições nacionais ou o derramamento de sangue - há bons exemplos de revoluções pacíficas na História à serem seguidos também[xi]), mas de instar o debate entre consciências politizadas quanto ao caminho que teremos inevitavelmente que seguir no futuro.
Como Portugal nos ensinou, com a Revolução dos Cravos[xii], ou a Tchecoslováquia, com a Revolução de Veludo[xiii], é possível uma mudança radical das instituições sem derramamento de sangue - que a vontade do povo, democrática e soberana, não é maior do que a força daqueles que ocupam o poder.
O poder constituído é abstrato, não se confundindo com as pessoas que o ocupam - o poder é permanente, seus detentores, transitórios.
Quando as pessoas no poder o exercem contrariamente aos interesses gerais da sociedade, devem ser removidas e substituídas por outros - e quando, por força das leis - criadas pelas pessoas no poder, diga-se de passagem, isso é inviável, então as próprias instituições devem ser modificadas.
Assim, cabe a nós enfrentar as seguintes questões: o que queremos legar às futuras gerações- A manutenção do status quo, ou uma mudança radical e profunda do Estado? Se a segunda opção, quem devem ser os protagonistas desta mudança, os mesmos ocupantes do poder- como se já não tivessem tido oportunidade de fazê-lo anteriormente - ou novos agentes? ? E que agentes seriam esses?
O articulista se abstém de responder essas questões, pois o propósito deste artigo é instigar o leitor à reflexão e ao debate - e não impor taxativamente seu ponto de vista, restringindo a discussão democrática.[xiv]
O ponto central em discussão é que em breve as incontáveis reformas necessárias irão eclodir sobre a sociedade, que já se encontra em ponto de ebulição - e que irá se levantar contra aqueles a quem confiaram a boa administração do País (mas que usaram seus cargos e prerrogativas em benefício próprio), tal qual os protestos de 2013 ou as recentes manifestações dos "coletes amarelos" na França[xv].
Quando - ou se, esse momento chegar, temos que ter o cuidado de não nos deixarmos guiar por "salvadores da pátria", ou por líderes de última hora (que apenas tomaram posição quando o resultado já era inevitável ), mas pessoas sérias e preocupadas com o Brasil, e não com o que vão lucrar com a mudança de poder.
Qualquer que seja o caminho que se pretenda tomar no futuro, deve-se ter em mente a mudança das instituições e suas leis - que permitiram aos atuais titulares chegarem ao nível de "deuses entre mortais", intocáveis por suas prerrogativas[xvi]) para atender aos anseios maiores da sociedade, e não uma mera troca dos atores estatais - isso nada mais é que um golpe de estado disfarçado.
Mas para isso, o tempo urge...
Como o coronel português Vasco Lourenço, veterano da Revolução dos Cravos declarou, "Se os que ocupam o poder não mudarem de atitude, a ruptura acabará sendo violenta" [xvii].
Cabe a nós debater e refletir se queremos que chegue a esse ponto ou se é preferível uma ação pacífica e democrática antes que seja tarde demais...
[i] http://parlamentarismo.com.br/conteudo.php?i=388
[ii] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2018/08/09/juizes-do-stf-ja-ganham-proporcionalmente-dez-vezes-mais-que-colegas-europeus-mesmo-sem-reajuste.htm
[iii] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/23299-pobreza-aumenta-e-atinge-54-8-milhoes-de-pessoas-em-2017
[iv] http://socientifica.com.br/2017/06/rousseau-e-teoria-do-pacto-social/
[v] https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7546488/nem-previdencia-nem-reforma-tributaria-brasileiros-querem-reforma-politica
[vi] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604665-comissao-da-camara-quer-que-lula-explique-fala-sobre-exercito-de-stedile.shtml
[vii] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/24/politica/1537815456_213002.html
[viii] http://parlamentarismo.com.br/conteudo.php?i=374
[ix] https://www.youtube.com/watch?v=awhJ45W--bI
[x] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44335337
[xi] https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/relembre-5-revolucoes-pacificas-na-historia/
[xii] https://exame.abril.com.br/mundo/revolucao-dos-cravos-o-golpe-que-comecou-com-um-pneu-furado-2/
[xiii] https://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-geral/revolucao-de-veludo
[xiv] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornadas_de_Junho
[xv] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/12/11/crise-dos-coletes-amarelos-as-fases-do-protesto-inedito-na-franca.ghtml
[xvi] http://www.sentinelalacerdista.com.br/os-ministros-do-stf-precisam-entender-que-nao-sao-deuses/
[xvii] https://br.noticias.yahoo.com/revolução-dos-cravos-golpe-começou-pneu-furado-191656030.html